sexta-feira, 10 de junho de 2011

A conversa fiada sobre “desastres naturais”

Por Érico Veríssimo - Acadêmico de Jornalismo da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e metido a blogueiro de vez em quando

Texto publicado originalmente no Blog: http://blogdoericoverissimo.wordpress.com


Érico Veríssimo
Será que os burros (os quadrúpedes, por favor!) têm alguma “estratégia” para se prevenir das intempéries? Alguns animais, naturalmente desprovidos de razão, por instinto se “organizam” conforme a estação do ano e suas necessidades primárias. As formigas carregam folhas no verão para que tenham alimento e abrigo durante o inverno, os ursos hibernam durante um longo período e se escondem em grutas até que o tempo ruim passe. Alguns pássaros migram em bandos para outros continentes em busca de temperaturas mais agradáveis. Há, ainda, os que se adaptam aos ambientes que lhes parecem mais hostis e sobrevivem ali mesmo (talvez estejamos nessa categoria… talvez estejamos ao lado dos burros).

A falta de planejamento é uma praga que assola o Brasil em todas as esferas e segmentos. Atinge a segurança pública, a economia, atravanca o crescimento e, muitas vezes, acaba em tragédia. São vítimas de bandidos, de balas perdidas, do tráfico de drogas e das garras de políticos mau-caráter que não têm a mínima intenção de cumprir com o papel que lhes foi atribuído.

Maus administradores que não se organizam e não adotam políticas preventivas para evitar tragédias e, na maioria das vezes, acabam deixando a população mais carente abandonada à própria sorte, deveriam ser criminalmente responsabilizados. As chuvas intensas, que se repetem a cada ano no mesmo período, trazem velhos problemas há muito já conhecidos e indevidamente classificados como “desastres naturais”. A partir daí, somos bombardeados por conversas fiadas e explicações fajutas das autoridades “competentes” que se utilizam de todos os meios de comunicação.

Falhas técnicas e humanas, aliadas à incompetência dos governantes, apenas recrudescem dramas que poderiam ser evitados se houvesse planejamento e investimento. Vidas seriam poupadas, além do dinheiro mal aplicado e da saliva gasta em discursos vazios. As medidas paliativas se repetem ad infinitum, resolvendo o problema dos miseráveis até a próxima estação chuvosa e dando a impressão de que está tudo sob controle.

De Norte a Sul, as cenas são iguais: desabrigados e desalojados às pencas tendo seu sofrimento mostrado na TV e em fotos de jornais e revistas, campanhas do agasalho, doação de alimentos, abrigos superlotados, deslizamentos de terra, móveis inutilizados, casas destruídas e, o mais grave, vidas perdidas de maneira tão banal.

Sem dúvida não se pode atribuir os acontecimentos trágicos apenas à falta de planejamento do Estado. Parte da culpa é também da população vitimada: muitos insistem em não abandonar áreas condenadas pela Defesa Civil, outros saem de suas casas, mas logo retornam, mesmo não havendo o mínimo de segurança. Desmatamento desordenado, ocupação irregular do solo, construção de casas precárias em encostas, destinação indevida do lixo doméstico e ruas tomadas pela sujeira agravam a situação.

Há, ainda, os que se aproveitam das calamidades para auferir vantagens econômicas e políticas. Nessas circunstâncias, as raposas que estão no poder aparecem e fingem agir a favor dos condenados pela pobreza e exclusão, anunciando ações redentoras para os aflitos. Os maus comerciantes que aumentam abusivamente os preços de produtos e lucram em cima do sofrimento de quem não tem onde morar, o que comer e nem vestir são, também, velhos personagens dessa história repetida.

Providências como a construção de casas populares para pessoas que vivem em áreas de risco, garantindo que elas não retornem após o período chuvoso, parecem impossíveis de ser adotadas em tempo adequado. Quando não há rigor das autoridades e a população só é atendida em momentos críticos, não há fiscalização nem tampouco impedimento legal que funcionem ao tentar afastar definitivamente esses moradores das áreas condenadas.

Impossibilitados de viver em seus bairros de origem, os desabrigados são levados para lugares distantes tendo que se “proteger” em casas improvisadas, isso quando não passam longo período em abrigos insalubres graças ao emperro burocrático dos próprios órgãos que deveriam ajudar, mas acabam atrasando as prometidas mudanças.

Em um “novo bairro”, os desafortunados começam a sofrer as agruras de um transporte público deficiente, a inexistência de comércio local, de escolas, de postos de saúde e de infraestrutura para que se mantenha ao menos a dignidade. Ações paliativas apenas mascaram o problema, que parece fazer parte do calendário político de “agenciadores de voto” habituados a se esquivar dos apelos populares e de suas reais funções. Imagina-se a eliminação de um, mas um número incontável de outros é criado.

“Autoridades” só mostram a cara quando a tragédia anunciada se concretiza, aproveitando, assim como os maus comerciantes, para lucrar à custa da desgraça alheia, valendo-se de eleitores desmemoriados. Além da certeza de que chuvas intensas sempre acontecerão, é certo também que, enquanto houver miseráveis atingidos por “desastres naturais”, os governantes que aí estão irão colher os dividendos políticos para a próxima campanha eleitoral e terão a garantia de continuidade no poder, exclusivamente em função de seus próprios interesses e sempre em detrimento do bem comum.

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